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AÇÃO DE INVENTÁRIO busca arrolar e partilhar (ou adjudicar, conforme o caso) bens e dívidas – que compõe o famoso “espólio” – deixados pelo(a) falecido(a). Esse procedimento já há alguns anos (desde 2007, exatamente) pode ser feito em Cartório, sem processo judicial, mas com obrigatória presença de ADVOGADO. A AÇÃO DE USUCAPIÃO busca reconhecer a propriedade sobre bens (móveis e imóveis) através de requisitos exigidos em Lei que permitam essa conversão, tais como POSSE qualificada, COISA hábil e TEMPO necessário. Desde 2015 a Usucapião sobre BENS IMÓVEIS pode ser resolvida mais rapidamente em Cartório, sem processo judicial mas também com obrigatória presença de ADVOGADO. Vemos semelhanças nos procedimentos na medida em que ambos podem – preenchidos os requisitos legais – serem resolvidos extrajudicialmente e ambos visam a regularização dos bens, sejam os deixados por pessoas já falecidas, sejam os não utilizados por seus proprietários registrais que na verdade com sua inércia permitiram que outrem efetivamente dessem FUNÇÃO SOCIAL ao bem, reunindo os requisitos legais para o reconhecimento da prescrição aquisitiva – porém a pergunta que recorrentemente nos chega é: a regularização imobiliária por USUCAPIÃO pode ser feita sobre bens de pessoas falecidas de modo a SUBSTITUIR O INVENTÁRIO?

A resposta de primeiro momento é NEGATIVA já que não se deve substituir o regular processo de inventário (seja ele judicial ou mesmo extrajudicial) pela usucapião, todavia, o que se vê analisando os muitos casos imobiliários envolvendo essa casuística é que há consolidada tendência jurisprudencial que admite o reconhecimento e declaração da USUCAPIÃO mesmo sobre bens de herança (especialmente de um herdeiro contra os outros) quando efetivamente estiverem presentes os requisitos legais exigidos para a modalidade pretendida (e na maioria das vezes a modalidade desafiada é a USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA que pode exigir 15 ou 10 anos – mas outras com prazo ainda menor não são descartadas).

O mestre FABIO ULHOA (Curso de Direito Civil. 2020) pontua com muita propriedade sobre a POSSE GERADORA DE USUCAPIÃO:

“Em todas as espécies de usucapião, há três elementos comuns à posse: continuidade, inexistência de oposição e a intenção de dono do possuidor. São os elementos que, aliados aos requisitos próprios de cada espécie, caracterizam a posse que dá ensejo à aquisição do imóvel por usucapião; a chamada posse AD USUCAPIONEM”.

E continua o profícuo mestre:

“O objetivo do instituto, como se viu, é CONSOLIDAR uma SITUAÇÃO DE FATO que existe há considerável tempo. Para GERAR USUCAPIÃO, a posse deve ser contínua, sem oposição e exercida com a intenção de titular a propriedade”.

A grande questão ocorre quando um dos sujeitos interessados titular de DIREITO HEREDITÁRIO passa a exercer, ostentando os requisitos da usucapião, posse qualificada sobre alguns ou todos os bens da herança, com continuidade, por prazo legal exigido em lei e sem qualquer oposição dos demais. Nesse caso temos que efetivamente a prescrição aquisitiva (usucapião) deverá se operar EM FAVOR do herdeiro usucapiente e diametralmente em PREJUÍZO dos demais, que por sua inércia devem mesmo perder os direitos sobre os bens objeto da herança.

A jurisprudência do TJRJ exarada pela ilustre Desembargadora, Dra. RENATA MACHADO COTTA mostra com brilhantismo o acerto dessa tendência:

“TJRJ. 02428324720098190001. J. em: 13/09/2021. APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM EXAME DE MÉRITO. BEM DE ACERVO HEREDITÁRIO. CONDOMÍNIO ENTRE OS HERDEIROS. POSSIBILIDADE DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS DA USUCAPIÃO. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE AGIR CONFIGURADOS. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. Sentença de extinção da ação de usucapião por se tratar de pedido de herdeiro sobre bem objeto da herança, devendo o pleito seguir pela regularização e prosseguimento do inventário judicial. Consoante o princípio de saisine, consagrado no art. 1.784 do Código Civil, “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Outrossim, na forma do art. 1.791 do Código Civil, a herança é transmitida como um todo unitário aos herdeiros, regulando-se pelas regras de condomínio. Dessa forma, desde o falecimento, o acervo hereditário é transferido em condomínio para os herdeiros até sua divisão pela partilha dos bens em ação de inventário. O inventário, assim, é o procedimento principal de individualização dos bens da herança. No entanto, NÃO HÁ ÓBICE LEGAL PARA USUCAPIÃO DE BEM DO ESPÓLIO POR HERDEIRO INDIVIDUAL, desde que preenchidos os requisitos legais, de posse ininterrupta exclusiva (em detrimento de mera detenção por concordância dos demais herdeiros condôminos), mansa e pacífica, com intuito de animus domini, pelo prazo da prescrição aquisitiva. O herdeiro, como condômino, possui legitimidade e interesse de agir na ação de usucapião de bem objeto do acervo hereditário, a fim de extinguir o condomínio entre os herdeiros sobre a coisa e a possuir integralmente. Precedentes do STJ e deste TJERJ. Dessa forma, a sentença de extinção por inadequação da via deve ser cassada. (…). Provimento parcial do recurso”.

Original de Julio Martins


Fonte

www.jornalcontabil.com.br

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