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Desde que surgiram no Brasil em 2013, as exchanges de criptomoedas enfrentam uma tarefa duplamente difícil: explicar o mundo novo das criptos para os usuários e, ao mesmo tempo, tentar se livrar da má fama trazida por empresas que aplicaram diversos golpes com Bitcoin (BTC) no país.

Diante do problema, alguns players se organizaram em torno da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) e iniciaram um esforço para criar uma cartilha de boas condutas de compliance – na ausência de uma lei específica, começaram a se autorregular.

Mas, em 2020, veio o terceiro desafio: em meio à discussão sobre a tão aguardada regulação, precisaram enfrentar de igual para igual concorrentes estrangeiros mais capitalizados, em um setor que lucra quanto maior for o volume de negociações. Foi quando a Binance, chefiada pelo sino-canadense Changpeng Zhao, começou a abocanhar boa parte do mercado, algo que se mantém em boa parte até hoje.

“As exchanges estrangeiras já têm a vantagem de não serem reguladas. Elas crescem muito rápido porque não querem obedecer a regras”, avalia, de forma bem-humorada, Beibei Liu, outra executiva cripto de origem chinesa, responsável por chefiar a corretora Novadax desde sua fundação no Brasil, em 2018.

Formada em engenharia financeira com passagem pela holding 9F Inc, a CEO da Novadax foi uma das primeiras funcionárias da startup WeCash, hoje Abakus Group, unicórnio chinês avaliado em mais de US$ 1,5 bilhão. “Não nos consideramos uma exchange estrangeira, começamos nossos negócios aqui”, reforça Beibei, ao mesmo tempo em que admite intenção de fazer o caminho inverso: do Brasil, a Novadax planeja agora se tornar global.

Em entrevista ao InfoMoney, a CEO comenta o cenário atual de competição entre exchanges no Brasil, e aponta a estratégia da empresa para continuar relevante no mercado. Além disso, defende o ponto polêmico da segregação de ativos para exchanges, alvo de impasse na discussão da proposta de regulação do setor, e critica os rivais internacionais que querem, segundo ela, impor seu modelo no Brasil.

Confira os principais trechos da conversa:

InfoMoney: Novadax está desde 2018, o que mudou mais no mercado brasileiro desde então?

Beibei Liu: Quando viemos para o Brasil já tínhamos muitos competidores, se me lembro bem ao redor de 20 exchanges. A grande mudança é que agora temos mais concorrentes globais. O bom sinal é de que o mercado brasileiro é valioso e atrativo, e por isso consegue atrair tantos players.

Temos um ditado na China que diz: fazemos o bolo crescer primeiro para depois dividir uma fatia maior. Não importa se você cai de 10% para 8% de market share se o bolo cresce 10 vezes Então, mesmo que seu market share reduza um pouco, pode ser o suficiente.

Enquanto isso, precisamos abrir nossos horizontes, porque a indústria blockchain é naturalmente global. Se focarmos apenas no mercado local brasileiro, ficaremos emperrados no meio da concorrência. Você estará preso nesse tipo de competição.

Por isso apresentamos a Novadax também como uma organização global. É claro que precisamos reforçar nossos negócios localmente. Enquanto isso, precisamos ter um horizonte global – especialmente nos aplicativos descentralizados.

A concorrência entre exchanges descentralizadas está ficando também mais forte, e o caminho é explorar mercados alternativos. Eu acho que os aplicativos descentralizados podem abrir muitas oportunidades. Está acontecendo muito desenvolvimento tecnológico, como no caso da Merge do Ethereum, que vai mudar completamente soluções DeFi, deixando-as mais atrativas.

Nós precisamos ter duas frentes. Uma delas é centralizada, e outra descentralizada, cada uma com suas vantagens. Um negócio centralizado tem a vantagem da credibilidade, porque o consumidor naturalmente confia mais em uma empresa com escritório físico e pessoas reais. Adequação à regulação também deve ser considerada, porque consumidores podem confiar ainda mais, gerando mais aderência e lealdade.

Por outro lado, nas aplicações descentralizadas não se sabe muitas vezes quem são as pessoas que estão por trás, porque elas trabalham com estrutura de DAO (sigla em inglês para Organizações Autônomas Descentralizadas). O usuário pode navegar entre diferentes aplicativos livremente, só precisa conectar uma carteira como a MetaMask.

Nesse caso, o consumidor tem muito menos lealdade. Em compensação, os negócios nessa área têm muito menos barreiras de inovação. Não é preciso considerar tantos limites, como a necessidade de se registrar localmente, e aí é possível focar no aspecto tecnológico.

IM: Como a Novadax planeja ter um papel nesse mundo DeFi?

BL: Na parte centralizada, iremos oferecer suporte ao Merge do Ethereum. Por outro lado, temos um time global desenvolvendo nossa própria DAO. Já começamos alguns produtos DeFi também, mas não somos os donos desses projetos, a comunidade é quem manda – somos iniciadores e obtemos 10% dos ativos como fundadores.

(A exchange também lançou a DAO House, que oferece tokens DeFi antes do lançamento)

IM: A Novadax está em uma posição curiosa, de um lado tendo um papel central na ABCripto, que é a favor da regulação, e ao mesmo tempo investindo em DeFi, que é um ambiente não regulado. Não há uma contradição nisso?

BL: No negócio em si não há conflito, são soluções que atingem diferentes bases de clientes. Além disso, as organizações têm times separados. Temos uma equipe totalmente focada no Brasil, e uma outra em DeFi. A Novadax Brasil cumpre totalmente com as regulações locais, e acreditamos que, no futuro breve, teremos licenças para exchanges. É o que estamos fazendo na Holanda – em setembro, se tudo der certo, iremos adquirir uma licença lá.

Nesse negócio, nós focamos em lidar com os usuários iniciantes, que têm menos conhecimento de cripto. Para esse tipo de cliente, a exchange centralizada é sempre melhor, porque a interface é muito mais intuitiva, principalmente para só comprar e vender criptomoedas. É muito menos complicado que DeFi.

Já os usuários DeFi têm mais conhecimento, já que eles em geral não sabem quem está por trás do projeto. Então são obrigados a estudar melhor o protocolo e a economia do token. Usuários mais experientes tecnicamente tendem a buscar aplicações DeFi, que são menos intuitivas. Eles também podem se proteger melhor, têm mais noção do risco do que os iniciantes.

Se você pensar bem, é tudo muito similar ao mercado financeiro tradicional: existem os produtos básicos para negociação de ações, e também investidores qualificados que precisam de funcionalidades mais avançadas. No mundo cripto, também temos produtos diferentes para distintos perfis de usuários.

Mas, eu sou a favor de regulação para exchanges centralizadas porque, no longo prazo, é a melhor maneira de proteger os consumidores.

IM: A Novadax tem origem no exterior, mas é conhecidamente a favor da regulação no Brasil. Como você as questões mais polêmicas do texto e que dividem players locais e estrangeiros, como o ponto da exigência de segregação patrimonial?

BL: A Novadax foi criada no Brasil, é o nosso primeiro mercado. No começo não tínhamos clientes em outros países. Agora teremos usuários europeus, mas 99,9% ainda serão brasileiros. Não nos consideramos uma exchange estrangeira, começamos nossos negócios aqui.

Já as exchanges estrangeiras começaram seu negócio de maneira global, com um produto único para todos, então acontece o contrário: os países é que precisam se adaptar a eles. O nosso jeito é o oposto: começamos localmente, então nosso produto obviamente já está adaptado às exigências locais.

Eu acho que a regulação que pede a segregação faz sentido. É um requisito universal nos mercados europeus, lá eles pedem a mesma coisa. Então [na Europa] nós segregamos as carteiras e precisamos ser transparentes. São requisitos básicos que precisamos atender para obter a licença. É algo muito importante para uma exchange regulada, para proteger consumidores.

As exchanges estrangeiras já têm a vantagem de não serem reguladas. Elas crescem muito rápido porque não querem obedecer a regras. Eles não podem se aproveitar de todos os benefícios, como: “não quero obedecer as regras, só quero ganhar o dinheiro”.

Ainda assim, acho que é algo que pode acontecer no curto prazo, mas não faz sentido no longo prazo. Essa é a razão pela qual instituições financeiras tradicionais, como grandes bancos, podem sobreviver por tanto tempo, por centenas de anos. Porque, para produtos financeiros, sobreviver de maneira segura e estável é o mais importante. No setor cripto, alguns players não têm muito respeito por essas regras porque não passaram por um crescimento de longo prazo.

Nossa posição tem muito a ver com nosso background. Nosso time veio de instituições financeiras reguladas, sabemos como os bancos evoluem. Eu também venho do setor bancário, e respeito muito o desenvolvimento de longo prazo, é para onde temos que mirar.

IM: Mas, na sua visão, os bancos, que agora começam a entrar em cripto, não podem ameaçar a sobrevivência das exchanges?

BL: É claro que haverá mais concorrência, assim como em relação às empresas de fora, mas agora com o sistema bancário. Em geral, para a indústria é bom porque exercerá maior pressão para que possamos nos desenvolver. Mas eu não acho que haverá só um player fazendo tudo.

Tome como exemplo o mercado de pagamentos. Os bancos também querem fazer pagamentos, mas ainda temos Mercado Pago e PayPal. Então, mesmo que a Mastercard, por exemplo, também queira entrar [em pagamentos], o PayPal continua tendo seu lugar. É claro que os bancos, em geral, querem sempre ser uma solução tudo-em-um. Mas isso não significa que eles irão devorar o bolo inteiro.

IM: As exchanges serão voltadas apenas para o usuário cripto mais avançado, ou ainda poderão atrair todo tipo de consumidor?

BL: Acho que depende. Por exemplo, bancos têm produtos como derivativos, mas ainda temos a XP Investimentos. Temos uma situação parecida. Para certos consumidores, a exchange pode oferecer o know-how e focar em trading, essas serão as especialidades das exchanges.

Ao mesmo tempo, as exchanges também podem expandir sua oferta de produtos bancários. A Novadax, por exemplo, oferece cartão – fomos os primeiros da América Latina. Cerca de 90% das nossas negociações se dão pela funcionalidade de exchange, mas outros 10% vêm do cartão. No final, é isso, todos podem expandir para os negócios do outro.

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Fonte

www.infomoney.com.br

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