SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira (14), o texto-base do projeto de lei complementar (PLP 18/2022) que estabelece um teto para a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público.
A matéria enquadra esses quatro tipos de bens e serviços como essenciais ou indispensáveis, não podendo ser tratados, do ponto de vista tributário, como supérfluos. Desta forma, os Estados e o Distrito Federal ficariam impedidos de cobrar uma taxa superior à alíquota geral do ICMS, que varia entre 17% e 18%, dependendo da localidade.
Esta foi a segunda vez que os deputados federais se debruçaram sobre o assunto. Isso porque o texto sofreu modificações durante sua tramitação no Senado Federal. No retorno à casa legislativa, a matéria foi votada em menos de 24h – o que demonstra empenho de lideranças governistas e aliados do “centrão” na aprovação célere do texto.
Durante a votação, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), informou os parlamentares sobre um problema no painel eletrônico, e o resultado da votação nominal não foi disponibilizado no sistema. Mas, segundo ele, foram 348 votos favoráveis ao texto e nenhum contrário.
O relator da proposta, deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) acatou emenda que determina que o governo federal repasse recursos para Estados e municípios mantenham os orçamentos com saúde e educação no patamar atual.
Esta era uma das principais preocupações de críticos à matéria, que apontavam para os riscos de significativa redução nas transferências para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Para que o projeto de lei complementar seja encaminhado à sanção presidencial, os deputados ainda precisam votar os destaques das bancadas – o que foi adiado para a sessão de quarta-feira (15) em razão dos problemas técnicos no sistema eletrônico da casa.
O PLP é tratado por integrantes do governo federal como fundamental para o enfrentamento aos altos níveis de inflação, sobretudo os preços dos combustíveis. Há também uma percepção do entorno do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que o movimento pode melhorar seus índices de popularidade e torná-lo mais competitivo na disputa pela reeleição.
A medida, no entanto, contou com resistência de governadores e prefeitos, que manifestaram preocupação com os impactos de uma redução de receitas a partir de limitações no alcance de uma de suas principais fontes de arrecadação – o que muitos deles alegaram que poderia impactar políticas públicas em áreas como saúde e educação.
O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) estima que o impacto financeiro anual das mudanças propostas seja de R$ 82,60 bilhões – tema ainda mais sensível em ano eleitoral.
Já a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal (Conorf), em nota técnica, avalia que o impacto anualizado seja entre R$ 46,08 bilhões e R$ 53,5 bilhões. Como em 2022 a proposta só teria vigência durante um semestre, os efeitos estimados seriam a metade.
Críticos também avaliam que a medida, apesar de custosa aos cofres públicos, pode ser insuficiente para se traduzir em preços mais baixos na bomba para o consumidor final e ineficaz no combate à inflação, que soma 11,73% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas cálculos feitos pelo governo federal indicam que a redução do ICMS – que chega a 34% sobre a gasolina em alguns Estados, como o Rio de Janeiro – tem potencial para reduzir em R$ 1,65 o litro da gasolina e em R$ 0,76 o do óleo diesel.
O custo total do pacote inclui R$ 29,6 bilhões fora do teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação, para compensar parcialmente os entes subnacionais pela perda na arrecadação até o fim deste ano.
Os outros R$ 16,8 bilhões são estimativas de renúncias do que o governo federal vai abrir mão de receitas ao zerar tributos federais sobre gasolina. Os valores podem subir com alterações feitas pelos parlamentares. O teto para a equipe econômica é de R$ 50 bilhões.
O debate em torno do projeto de lei complementar pega carona em decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiu a essencialidade de determinados bens e serviços e entendeu que a cobrança de alíquota superior a 17% de ICMS sobre operações de fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação é inconstitucional.
Na ocasião, porém, foi feita modulação sobre os efeitos da medida, estipulando que os efeitos passassem a valer a partir de 2024 – diferentemente do que prevê o texto aprovado pelos parlamentares, que estabelece o vigor imediato das medidas após a sanção presidencial.
O PLP 18/2022 inclui dispositivo que prevê compensação financeira paga pelo governo federal a unidades da federação endividadas pela perda de arrecadação gerada pelas mudanças que excedam 5% em relação à arrecadação de ICMS em 2021.
A compensação proposta se daria na forma de descontos em parcelas de dívidas refinanciadas dos entes com o governo federal, e seria limitada às perdas de arrecadação calculadas até 31 de dezembro de 2022.
A dedução ocorreria até esta data ou enquanto houver saldo de dívida contratual do Estado ou do Distrito Federal administrada pela Secretaria do Tesouro Nacional − o que ocorrer primeiro.
Do que receber de desconto como forma de compensação pela perda de arrecadação, o estado deverá repassar aos municípios a parte de transferência desse tributo prevista constitucionalmente (o que equivale a 25%). No caso de não haver compensação, o ente ficaria desobrigado do repasse da quota-parte do tributo aos municípios.
E caso as alíquotas voltem aos patamares anteriores à entrada em vigor da nova lei, cessam automaticamente as deduções por perda de arrecadação previstas.
Para entes que precisarem refinanciar dívidas e aderirem ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o ressarcimento pelas perdas oriundas do PLP 18/2022 seria integral, por meio de dedução nas parcelas do pagamento dos compromissos refinanciados.
O relator da matéria no Senado Federal, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), havia feito uma alteração neste ponto, estabelecendo como base de cálculo a variação na arrecadação apenas com bens e serviços impactados pela nova legislação – e com correção pelo IPCA.
Mas a Câmara dos Deputados – que, por ser a casa onde o projeto se iniciou, tem a palavra final sobre o texto – decidiu voltar ao modelo anteriormente aprovado, que considera o ICMS global, não apenas os itens afetados pelo projeto de lei complementar.
No caso de unidades da federação que não têm dívida com a União, os parlamentares incluíram dispositivo que permite a compensação no ano que vem, com recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Além disso, no atual exercício, estes entes terão prioridade na contratação de empréstimos.
Durante a tramitação no Senado Federal, foi incorporada ao texto uma das propostas do governo federal de reduzir a zero as alíquotas da Cide-Combustíveis e PIS/Cofins incidentes sobre a gasolina até o fim de 2022. Diesel e gás de cozinha já estão com as alíquotas zeradas desde a aprovação da Lei Complementar 192/2022.
O novo texto também zerou o PIS/Pasep e a Cofins incidentes sobre o álcool hidratado e sobre o álcool anidro adicionado à gasolina até 30 de junho de 2027, garantida às pessoas jurídicas da cadeia, incluído o adquirente final, a manutenção dos créditos vinculados. As medidas foram mantidas pelos deputados.
Autor do projeto, o deputado Danilo Forte (União-CE), considerou a aprovação da proposta histórica.
“A última vez que o Congresso Nacional votou uma redução de impostos foi em 2006. A agenda que construímos para reduzir o preço da energia e dos combustíveis corresponde à expectativa da sociedade brasileira”, afirmou.
“O lobby construído pelos governadores para impedir a votação já foi superado porque a vontade popular é muito maior”, continuou.
Deputados da oposição, no entanto, acusaram a proposta de ter motivações eleitorais e pediram o fim da política da Petrobras de preço de paridade de importação dos combustíveis.
O líder do PT, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que o projeto não vai resolver de fato o problema. “O caminho mais simples era acabar com a dolarização dos preços de derivados do petróleo”, disse. “É inaceitável cobrar custos inexistentes no processo de produção, que tem como base o real.”
O deputado Rogério Correia (PT-MG) calcula que a proposta vai gerar uma renúncia fiscal de R$ 92 bilhões de ICMS e R$ 34 bilhões de impostos federais. “É um projeto de improviso, guiado pelo desespero do presidente da República, com uma dose muito grande de demagogia”, criticou.
Correia teme que o projeto leve a um aumento da dívida pública e a uma redução de recursos para saúde e educação. “Não se assustem se, após concluirmos a votação, o preço do combustível voltar a subir.”
(com Agência Câmara)
Fonte
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