COMO JÁ VIMOS AQUI, recentemente o STJ parece ter reafirmado mais uma vez, para afastar qualquer dúvida, que há sim possibilidade de se partilhar, em sede de INVENTÁRIO E PARTILHA os direitos de posse à imóvel não escriturado e não registrado (vide REsp 1984847/MG. J. em 21/06/2022). De fato, como muito bem lançado na ementa do brilhante precedente há uma inegável “autonomia existente entre o DIREITO DE PROPRIEDADE e o DIREITO POSSESSÓRIO”, sem prejuízo da inafastável “existência de EXPRESSÃO ECONÔMICA DO DIREITO POSSESSÓRIO”.
Evidentemente que com o falecimento do “titular do direito possessório” há efetiva transmissão do acervo hereditário em favor de seus herdeiros, na forma do sempre lembrado aqui DIREITO DE SAISINE, estampado no art. 1.784 do Códex:
“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
A ficção legal está inscrita na Lei e busca não deixar sem titular, desprotegido, por um só momento, toda a massa que envolve bens, direitos e obrigações que estavam até então encapsulados na esfera patrimonial do defunto. Por ocasião do evento morte opera-se a saisine e a transferência se dá OPE LEGIS, todavia o inventário JUDICIAL ou EXTRAJUDICIAL é necessário na medida que somente ele confere publicidade, disponibilidade e certeza aos adquirentes, além de é claro organizar o fólio registral.
A posse, como sabemos, pode ser documentada através de ESCRITURA DECLARATÓRIA DE POSSE, assim como transacionada através de ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS DE POSSE, tanto de forma graciosa, quanto de forma onerosa (observando-se, para tanto, as regras do contrato de doação ou da compra e venda, respectivamente), tal como reconhece o Código de Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
“Art. 220. Nas Escrituras Públicas Declaratórias de Posse e de Cessão de Direitos de Posse, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que a mesma não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, tão-somente, para a instrução de ação possessória própria”.
Frisamos mais uma vez que injustificadamente não podem os Tabelionatos de Notas negarem a possibilidade de lavratura dos referidos instrumentos mormente quando a CGJ que lhes fiscaliza reconhece a possibilidade da lavratura. De toda forma, um questionamento pode surgir, tanto envolvendo a transmissão intervivos da posse através dos referidos instrumentos quanto pela transmissão causa mortis documentada através do Inventário Judicial ou Extrajudicial em que se partilham os direitos de posse: haverá possibilidade de registrá-los diretamente no CARTÓRIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS?
A resposta é NEGATIVA já que no Registro de Imóveis não existe previsão para o “registro de posse”. A abalizada doutrina assinada por KÜMPEL e FERRARI (Tratado Notarial e Registral) esclarece:
“A posse, por si só, não adentra o Registro de Imóveis, pois não existe previsão normativa para seu REGISTRO ou AVERBAÇÃO na matrícula do imóvel, nem no rol do art. 167 da Lei de Registros Publicos (nº. 6.015/73), tampouco em outros dispositivos legais. No entanto, a posse vem ganhando cada vez mais RELEVÂNCIA para a serventia extrajudicial imobiliária, na medida em que passa a ser objeto de análise pelo registrador para a qualificação de alguns títulos apresentados”.
E exemplificam os ilustres autores com relação à USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA (ou ainda, USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL), que é aquela inaugurada no ordenamento jurídico brasileiro com o art. 216-A da mesma LRP, regulamentado pelo CNJ através do Provimento CNJ 65/2017.
Para que de fato a POSSE possa ter acesso ao registro imobiliário ela deverá ser convertida em PROPRIEDADE, por exemplo, através da Ação de USUCAPIÃO JUDICIAL ou, sem processo judicial através da USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL, conforme regras do art. 216-A da Lei Registrária. Ponto importante e muito peculiar nos casos envolvendo POSSE e transmissão causa mortis também diz respeito à OBRIGATORIEDADE do Inventário. Em que pese ser POSSÍVEL sua inclusão no Inventário é preciso considerar que o processamento dela através de Inventário não é OBRIGATÓRIO para permitir a regularização via usucapião pelos sucessores, como ilustre bem o precedente mineiro:
“TJMG. 10343140002134001. J. em: 26/11/2014. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXIGÊNCIA DE ABERTURA DE INVENTÁRIO. DESNECESSIDADE. TRANSMISSÃO AUTOMÁTICA DA POSSE. RECURSO PROVIDO. -” A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres “.” O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé “- Não tem inspiração constitucional e legal a exigência do MM. Juiz de Direito de que a parte autora da ação de usucapião promova a abertura de inventário para efeito de transmissão da posse de seu antecessor, sob cominação de extinção do processo”.
Original de Julio Martins
Fonte
www.jornalcontabil.com.br