Em nova rodada de negociações, associações ligadas à área de saneamento em conflito e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva tiveram alguns avanços para ajustar o setor à legislação, depois de mais de dois anos do novo marco legal. Porém, o impasse sobre o pacote de mil contratos irregulares de estatais continua, e ainda não há acordo entre as empresas privadas e as companhias públicas de água e esgoto sobre o número de operações que serão “salvas” no novo decreto federal.
O avanço na mesa de negociação se deu no tema da regionalização. Pelo decreto em vigor, a partir de abril, municípios que não aderiram a blocos de saneamento, prioritariamente organizados pelos Estados, ficam proibidos de acessar recursos federais e financiamentos com recursos da União para o segmento. As cidades atendidas por empresas municipais de saneamento – ou seja, em que há prestação direta, uma vez que o serviço é de titularidade municipal – reclamam dessa imposição há tempos. A preocupação se tornou mais urgente pela chegada do prazo de 31 de março.
Impasse
Ao Estadão/Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Rodopiano Marques, afirmou que durante a reunião realizada na quinta-feira pela Casa Civil e pelo Ministério das Cidades houve consenso para a extensão desse período em que há prestação direta por organizações municipais.
Uma fonte do governo afirmou ao Estadão/Broadcast que esse deve ser o caminho adotado no novo decreto em elaboração pelo Executivo. O prazo ainda poderá ser discutido, mas, inicialmente, a ideia é de que seja estendido até 2026. O plano também é de que não haja vedação para os municípios com prestação direta receberem apoio técnico e financeiro da União para alcançar as metas do marco legal do saneamento. “Por que isso? Porque assim nós universalizamos. Conseguimos chegar com cobertura a todos os municípios do Brasil nessa condição”, disse o presidente da Assemae. Segundo ele, a prorrogação deve atender 1.700 municípios.
O marco legal impôs a regionalização para atender à lógica do chamado “filé com osso”. Como a lei incentiva a concessão dos serviços de água e esgoto, a ideia foi de não deixar que municípios pouco atrativos para a iniciativa privada fossem escanteados do processo de universalização.
Questionado sobre como fica essa premissa diante da flexibilização de prazo, o presidente da Assemae defendeu não fazer sentido que as prefeituras que querem manter a prestação direta no saneamento deixem de ter acesso a recursos para alcançar as metas da lei. “A Assemae não prega apenas um modelo, existem vários. Esse modelo, que inclui a prestação direta, permite que o prefeito, que é o titular dos serviços, defina o que é melhor para seu município”, disse Marques.
O presidente da Assemae afirmou ainda haver acordo para que o decreto do governo considere os consórcios e os convênios de cooperação também como tipos de regionalização. Essa questão já era negociada entre os municípios e o Executivo desde a gestão Bolsonaro. “Tem consenso entre o governo. E tudo vai ser feito via um decreto único”, afirmou.
Disputa
Enquanto a regularização dos serviços municipais não gera muitos atritos na mesa de negociação, ainda não há clima de consenso sobre os cerca de mil contratos irregulares de empresas estaduais públicas de saneamento – disputa protagonizada entre a Aesbe, que reúne essas estatais, e a Abcon, associação das companhias privadas. Como revelou o Estadão/Broadcast no último dia 9, de um lado, a Aesbe busca salvar todo esse pacote, o que garantiria a manutenção das companhias públicas à frente da prestação de serviços. Já, de outro, as empresas privadas indicam que só aceitam a regularização de 393 contratos que, inicialmente, não passaram na fase de comprovação da capacidade econômico-financeira, exigida pelo marco legal.
As estatais defendem a sobrevida de mais aproximadamente 560 operações irregulares, nas quais ou não existe contrato ou esse instrumento está vencido. Como a lei veda novos contratos de programa, fechados diretamente entre companhias estaduais e municípios, as empresas privadas entendem que não há como as estatais salvarem essas operações via decreto. Já a Aesbe alega que a ferramenta vetada não seria usada, e, sim, um contrato de “prestação de serviços”. O marco legal, contudo, exige licitação.
Prazo de 31 de março pressiona o governo federal
A entidade que reúne as estatais de saneamento tem defendido a possibilidade de reequilibrar os contratos em vigor via prorrogação de prazos. Na mesa de negociação, ainda quer convencer o governo a mudar a forma de comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas, de modo que considere, por exemplo, a prorrogação dos contratos. Defende ainda que o Executivo permita a prestação direta das companhias públicas em blocos regionalizados, o que é considerado por especialistas como um drible à exigência de licitação.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o governo ainda quer que as entidades de estatais e de empresas privadas cheguem a um consenso. Mas pouco se avançou sobre esses pontos. Os prazos jogam contra o Executivo, que terá de elaborar um novo decreto até no máximo 31 de março, em razão dos prazos da regionalização. Uma avaliação feita internamente é de que, sem acordo, o governo terá de arbitrar. Ou terá de resolver nesse primeiro momento só as questões relativas às unidades regionais, e deixar para uma segunda etapa o que não é consensual.
Novo marco aumentou a concorrência e o investimento no setor
Desde que foi aprovado em 2020, o marco do saneamento ampliou os recursos para o setor. Os investimentos público e privado cresceram ano a ano e devem somar R$ 24,6 bilhões em 2023, calcula a Inter.B Consultoria. Aumentou a competição, com mais espaço para a iniciativa privada.
Ao mesmo tempo, foram definidas metas ambiciosas: 99% da população terá água tratada, e 90% do esgoto precisará ser coletado até 2033. Os indicadores de saneamento básico se tornaram um dos problemas sociais mais gritantes do Brasil. São quase 35 milhões de brasileiros sem acesso à água tratada e 95 milhões sem coleta e tratamento de esgoto, o que causa perdas bilionárias na economia, na saúde e na educação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte
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