O rompimento da barragem B1 da mineradora Vale (VALE3) na mina Córrego do Feijão, situada no município de Brumadinho (MG), que deixou 270 mortos e um rastro de destruição ambiental, completa três anos nesta terça-feira (25).
Com as chuvas intensas registradas em dezembro e janeiro deste ano, o tema voltou à tona, com autoridades fazendo alertas sobre as barragens de rejeitos, usadas para depositar os resíduos e a água gerados a partir do beneficiamento do minério.
Após a tragédia de Brumadinho, ficou nítida a necessidade de adoção de medidas para que tal incidente não acontecesse novamente. Dessa forma, um mês após o ocorrido, em fevereiro de 2019, deputados estaduais votaram um prazo de 3 anos para que todas as barragens com alteamento a montante, como a de Brumadinho, fossem esvaziadas ou aterradas.
Mas não foi o que ocorreu. Das 54 estruturas desse tipo em Minas Gerais, apenas 7 foram descaracterizadas, termo técnico usado para a ação — dezessete não têm sequer um plano para isso, conforme informou a Agência Nacional de Mineração. As empresas asseguram que até 25 de fevereiro deste ano, quando encerra o prazo, outras 12 terão mesmo o destino.
As barragens a montante são construídas com uso do rejeito por alteamentos consecutivos, em sentido contrário ao fluxo de água, sendo consideradas estruturas menos seguras.
Sendo assim, os investidores interessados em Vale seguem atentos à evolução da descaracterização das barragens, além de novos passivos relacionados a Brumadinho ou Samarco.
Na última quarta-feira (19), o Ministério Público de Minas alertou que 18 barragens de rejeitos de mineração da Vale no estado terão que passar por algum tipo de intervenção como medida preventiva, devido aos impactos causados pelas chuvas recentes.
As ações específicas e preventivas necessárias nas 18 barragens foram levantadas após análise de 31 estruturas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e governo estadual, por meio da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), explicou o órgão.
Feam e MP de Minas disseram que a Vale deve adotar medidas de mitigação em cada uma das estruturas.
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Segundo Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma), as graves chuvas afetaram diversas estruturas que necessitarão de contínuo e rigoroso acompanhamento por parte dos órgãos de comando e controle.
“A partir das informações recebidas, serão exigidas das empresas todas as medidas técnicas possíveis e necessárias para garantir a segurança das estruturas.”
Entre as estruturas que deverão passar por intervenções, três estão em nível III de emergência (barragens Sul Superior, B3/B4 e Forquilha III).
Para o MP, o caso mais preocupante é o da barragem Forquilha III, em Ouro Preto, onde a mineradora ainda não concluiu o plano de descaracterização da barragem.
As medidas requeridas pelo MP são: corrigir processos erosivos no entorno das estruturas; manutenção e limpeza dos sistemas de drenagem interna, superficial e do extravasor; reduzir a contribuição pluvial da bacia de drenagem para o reservatório da barragem e garantir a manutenção de rotina da estrutura, realizando inclusive o controle de vegetação;
“Apesar de algumas medidas serem tomadas, elas não devem impactar de forma substancial os resultados da Vale”, diz XP Investimentos.
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Desembolsos da Vale por Brumadinho
Com relação especificamente ao caso de Brumadinho, a Vale planeja desembolsar aproximadamente R$ 9 bilhões neste ano com reparações relacionadas ao rompimento de barragem de rejeitos de mineração, disse na última sexta-feira à Reuters o diretor especial de Reparação e Desenvolvimento da companhia, Marcelo Klein.
O montante previsto não considera os valores que devem ser aportados para indenizações individuais, que estão sendo fechadas.
Dentre as grandes prioridades para o ano, segundo Klein, está auxiliar o trabalho dos bombeiros para encontrar as últimas seis vítimas fatais do desastre.
Além disso, a empresa trabalha em diversas frentes para reconquistar a confiança da população, entregando não só as reparações pela tragédia, mas todo um trabalho de aproximação com a sociedade e de participação na construção de melhorias no desenvolvimento das regiões onde atua.
De acordo com Klein, há uma demanda das comunidades para a mineração agora trabalhar em outro patamar.
Desde 2019, a companhia desembolsou cerca de R$ 18 bilhões com reparações e compensações dos danos sociais e ambientais.
Além disso, cerca de 12 mil pessoas firmaram acordos de indenização cíveis e trabalhistas com a Vale, o que resultou no pagamento de mais de R$ 2,6 bilhões. Pelo menos um familiar de cada empregado, próprio ou terceirizado, falecido no rompimento já fez acordo de indenização com a Vale.
No ano passado, a mineradora fechou um Acordo de Reparação Integral com governo de Minas, ministérios públicos estadual e federal e defensoria pública que rege ações em curso, e que encerrou ações coletivas judiciais, no valor de R$ 37,7 bilhões. Enquanto isso, os acordos individuais estão sendo realizados separadamente.
De acordo com a mineradora, esta é a solução definitiva para o pagamento emergencial feito pela Vale aos atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho. A partir de 1º de novembro de 2021, passaram a valer os termos do novo Programa de Transferência de Renda, criado e gerenciado pelas Instituições de Justiça, sem a participação da Vale. As Instituições de Justiça são responsáveis pela definição de critérios de participação, pagamentos e gerenciamento do programa.
Importante destacar que o acordo estabeleceu a forma de reparação apenas para os danos coletivos. Ele não interfere no processo criminal e nem envolve discussões sobre as indenizações individuais e trabalhistas que devem ser pagas aos atingidos, as quais são tratadas separadamente em processos judiciais e extrajudiciais específicos.
Também não entram no acordo algumas obrigações previstas em outros acordos, novas demandas emergenciais para fornecimento de água e silagem, a continuidade das obras nas estruturas remanescentes de Mina Córrego do Feijão, o monitoramento da qualidade das águas subterrâneas, a contratação de perito judicial, os custos com o deslocamento compulsório dos atingidos que perderam suas casas e os estudos destinados a avaliar o risco à saúde humana e o risco ecológico.
Na época do acordo, o Morgan Stanley destacou que o excesso de geração de caixa da Vale é evidente mesmo com compromissos adicionais de Brumadinho, e enxergou o acordo como um passo significativo para eliminar a incerteza em torno do case da Vale. Mas o acordo não foi tão abrangente como esperado. Dessa forma, a reavaliação completa pode levar mais tempo para se materializar.
Processos pendentes da Vale
Duas ações iniciadas por promotores estaduais contra a empresa e seus funcionários permanecem ativos.
O primeiro é uma ação judicial contra alguns funcionários da Vale e da TüvSüd, todos enfrentando acusações de crimes ambientais e homicídio culposo.
A segunda é uma ação civil contra a Vale, que se baseia na lei brasileira anticorrupção. Esse caso ainda não foi julgado, e pode levar muito tempo para que o processo legal siga seu curso antes de um veredicto final.
No pior cenário a multa seria de 20% da receita bruta da empresa em 2018, ou cerca de US$ 7 bilhões. A Vale acredita que os argumentos apresentados pelos promotores neste processo carecem de mérito.
Iniciativas para redução do uso de barragens após Brumadinho
A Vale informou que planeja reduzir significativamente o uso de barragens e vai investir em alternativas que permitam que as operações de processamento úmido sejam substituídas por processos mais seguros e sustentáveis.
A empresa estabelece as metas da empresa a seguir para essa iniciativa:
- Pretende que 70% da produção de minério de ferro seja feita por processamento a seco até 2025;
- Prevê investimentos US$ 2,3 bilhões entre 2020 e 2025 para aumentar o uso de filtragem e empilhamento a seco para 16% da produção total, bem como aumento do desenvolvimento de novas tecnologias, como a separação magnética a seco de minério de ferro, da New Steel (empresa adquirida em 2018).
- Por fim, informou que eliminou 7 das 30 barragens a montante da companhia desde 2019, o equivalente a 25% do previsto.
Segundo a Vale, a expectativa é de eliminar 67% das estruturas alteadas a montante até 2025 e 100% delas até 2035.
Além disso, a mineradora mantém em seu balanço provisões de cerca de R$ 10 bilhões para o Programa de Descaracterização de Barragens.
O que esperar para as ações da Vale (VALE3)
O Morgan Stanley acredita que a Vale entregará um fluxo de caixa sólido nos próximos anos, apesar das previsões de preços de minério de ferro revistas recentemente para baixo e pagamentos futuros do acidente de Brumadinho, o que deve permitir que a empresa retorne excesso de caixa aos acionistas por meio de dividendos/recompras.
O banco ainda destaca que as ações estão sendo negociadas com desconto em relação à média de quatro anos pré-Brumadinho (6,8 vezes versus 10,7 vezes), tendo assim uma visão positiva para a ação da mineradora.
O Morgan tem recomendação overweight (exposição acima da média) para os ativos da Vale negociados na Bolsa de Nova York (os ADRs, ou American Depositary Receipts), com um preço-alvo de US$ 17,50, configurando um potencial de valorização de 14,3% em relação ao fechamento de segunda-feira (24).
A projeção para o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) é de US$ 6,490 bilhões no quarto trimestre de 2021, contra US$ 7,109 bilhões no terceiro trimestre de 2021.
Apenas para efeito de comparação, considerando o dólar a R$ 5,50, o Ebitda do quarto trimestre seria de R$ 35,695 bilhões, cerca de 94% dos recursos necessários para pagamento do Acordo de Reparação Integral com governo de Minas.
O banco americano também projeta Ebitda de US$ 33,05 bilhões em 2021 (+2,5%), US$ 20,916 bilhões em 2022 (+6,7%), US$ 17,734 bilhões em 2023 (+6,8%) e US$ 14,544 bilhões em 2024 (+4,1%).
De acordo com a compilação da Refinitiv, de 21 casas que cobrem o papel da Vale negociado na Bolsa de Nova York, 12 possuem recomendação de compra, 8 de manutenção e apenas 1 de venda, com preço-alvo médio de US$ 17,81, o que representa um potencial de alta de 16,3% frente o fechamento da véspera.
Já com relação aos ativos VALE3, 7 casas recomendam compra para os ativos e 4 possuem recomendação equivalente à neutra, com preço-alvo médio de R$ 107,35 (ou potencial de valorização de 28% em relação à cotação do dia 24 de janeiro).
Ações top picks
Porém, cabe ressaltar, mesmo casas que estão otimistas com o ativo seguem destacando Brumadinho como um dos riscos, como é o caso do Santander, que tem o ativo VALE3 em sua carteira Valor de janeiro também por conta da perspectiva de mais dividendos extraordinários e recompra de ações com o minério negociando acima dos US$ 100 a tonelada.
O BB Investimentos, por sua vez, tem a ação da Vale em sua carteira top picks para 2022. Para os analistas do banco, em 2021, a Vale mostrou importantes avanços com relação à segurança das operações e seu comprometimento com a sociedade e o meio-ambiente.
Contudo, entre os riscos destacados por eles que pode afetar a companhia, além da possível desaceleração da atividade industrial global, novos eventos de barragem ou novos passivos relacionados a Brumadinho ou Samarco também estão no radar.
Investidores internacionais também seguem monitorando a evolução das reparações e as medidas tomadas para que uma tragédia como a ocorrida em 2019 não se repita.
Em nota desta terça-feira, o LAPFF, fórum do fundo de pensão da Grã Bretanha, disse que acompanhou as mineradoras Vale e BHP após os rompimentos das barragens de Brumadinho e Samarco no Brasil, mas ficou “consternado” com o lento ritmo de ajuda às comunidades.
Em um cenário em que o ESG (a sigla em inglês para “environmental, social and governance”, referente às melhores práticas ambientais, sociais e de governança) ganha cada vez mais força na tese de investimentos, principalmente dos investidores internacionais, as práticas da Vale seguem sendo observadas de perto pelos investidores.
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Fonte
www.infomoney.com.br