Se na virada de janeiro para fevereiro, a probabilidade de um conflito militar entre Rússia e Ucrânia parecia remota para o mercado financeiro, a eclosão da guerra exigiu um ajuste rápido e fino nos portfólios de gestoras de fundos de ações e multimercados.
Após um mês de ganhos com papéis ligados a matérias-primas e bancos, a receita das gestoras para aguentar os solavancos foi aumentar a alocação em papéis relacionados a commodities energéticas, especialmente petroleiras, além de companhias agrícolas, frigoríficos e empresas de fertilizantes.
Mas nem tudo que é relacionado a commodities ganhou espaço nos portfólios. Ações de siderúrgicas, por exemplo, foram apenas mantidas, sem aumento ou recuo nas posições. As gestoras também priorizaram papéis de empresas que não dependem de intermediários para a produção de matéria-prima.
João Lorenzi, sócio e analista de investimentos na Encore Asset Management, conta que recentemente a gestora preferiu reduzir a exposição a ações de empresas do segmento de aço, como Usiminas (USIM5) e Gerdau (GGBR4).
O recuo da demanda de aço no Brasil está entre os motivos da mudança. O analista observa que os custos de companhias como Gerdau e Usiminas vêm subindo, com a elevação do preço de várias commodities, e que ambas teriam maior dificuldade de repassar essa alta, embora a situação seja um pouco menos complexa para a Usiminas.
Problemas de repasse também poderiam afetar o balanço de outras companhias ligadas a commodities, como é o caso da Braskem (BRKM5), diz Lorenzi. Ele argumenta que a petroquímica compra nafta (um derivado de petróleo) e gás, mas não consegue produzir nenhum dos dois materiais. “Ela precisa comprar com um intermediário. O problema é que ela não está conseguindo repassar todo o custo, que aumentou agora com a subida forte das commodities”, pondera.
Em meio a uma pressão maior de custos, a Encore tem priorizado empresas que participam desde o começo da cadeia de produção de matérias-primas, como é o caso de Vale (VALE3), PetroRio (PRIO3), 3R Petroleum (RRRP3), CBA (CBAV3) e Suzano (SUZB3).
De olho em petroleiras
Embora o cenário atual seja nebuloso para papéis ligados ao aço, a expectativa para o petróleo é completamente diferente. Com a eclosão da guerra, a Encore, por exemplo, aumentou marginalmente a posição em Tenaris (T1SS34), uma empresa estrangeira que fabrica tubos para a indústria petrolífera, conforme explica Lorenzi.
O motivo é que os Estados Unidos terão que apostar cada vez mais no petróleo doméstico. Nesse sentido, o investimento terá que aumentar bastante, o que pode beneficiar empresas como a Tenaris.
A casa não é a única a aumentar ou realocar apostas em papéis de commodities energéticas. Em carta enviada a clientes, a equipe de fundos da Vista Capital diz que segue com uma visão de alta para o petróleo, que continua sendo a principal posição de um dos fundos multimercados da gestora. Ao mesmo tempo, decidiu transferir parte do risco da exposição ao petróleo em si para ações de petroleiras.
“As sanções a empresas russas, somadas a sanções anteriores em empresas de países como a China e Irã, deveriam aumentar o valor de escassez de empresas americanas e europeias”, afirmou a gestora no documento.
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Diante do cenário de aperto nos estoques, os grandes vencedores seriam justamente os produtores de petróleo, que negociam a múltiplos ainda “excessivamente” baixos e que vendem o petróleo no mercado à vista (spot), destacou a Vista Capital.
Movimento semelhante também foi feito pela Vinland Capital, que veio aumentando a posição em ações de commodities energéticas, agrícolas e fertilizantes e diminuindo a exposição que tinha em bancos. A realocação, no entanto, começou antes da eclosão da guerra.
Quem explica é Humberto Meireles, gestor da Vinland Capital. Antes do conflito ocorrer de fato, ele diz que a casa acreditava que um evento como esse ainda não estava precificado no valor de vários papéis. Desde então, a gestora veio subindo posições, por exemplo, em petroleiras brasileiras e americanas.
Hoje, na carteira da casa, a exposição está focada em nomes como Occidental Petroleum Corporation (OXYP34), Kosmos Energy (KOS) e Cheniere Energy (LNG), além de Petrobras (PETR3);(PETR4) e PetroRio.
O otimismo com o setor, diz Meireles, está no fato de que o petróleo pode avançar ainda mais, já que o mercado da commodity já vinha apertado antes mesmo da guerra, e agora a situação tende a piorar.
A falta de investimentos no setor nos últimos anos também preocupa o gestor da Vinland. O especialista reforça que o processo de transição energética fez com que os investimentos em energia “suja” sumissem ao longo dos anos. Na prática, isso prejudicou o balanço de oferta.
Do lado da demanda, afirma, a resposta dos governos em relação à pandemia foi uma chuva de estímulos fiscais, o que levou a demanda também a aumentar. Por fim, a guerra agiu como um catalisador adicional, observa Meireles.
“Não tem como ser feito algo no curto prazo. Enquanto não puder ter uma resposta da oferta, o preço do petróleo vai subir até destruir a demanda. A gente não está vendo isso ocorrer, mas pode ocorrer em breve”, pontua.
Meireles também faz um alerta: para ele, outro risco para a commodity é que a Rússia comece a responder de forma mais forte às sanções do Ocidente. “Se ela parar de exportar gás natural para a Alemanha, por exemplo, o preço pode explodir”, diz.
Commodities agrícolas, frigoríficos e fertilizantes chamam a atenção
Além de commodities energéticas, a Vinland Capital aproveitou o mês de fevereiro para lentamente aumentar posições em commodities agrícolas e fertilizantes. “Traçando o cenário, nós acreditávamos que elas negociavam a um valuation [preço] em que não estava precificada a alta dos fertilizantes e o avanço nas cotações de produtos agrícolas”, afirma Meireles, gestor da casa.
Os nomes preferidos no segmento de fertilizantes são SLC Agrícola (MOSC34) e São Martinho (SMTO3), que poderiam se beneficiar fortemente de um aumento na geração de caixa. No caso dos papéis de commodities agrícolas, a preferência é por companhias como a canadense Nutrien e a americana Mosaic (MOSC34), que são grandes produtoras.
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Posições em frigoríficos também podem ficar ainda mais relevantes em alguns portfólios. Alexandre Steinberg, sócio-fundador da gestora Skade Capital, afirma que a casa pode ir aumentando a exposição a papéis mais ligados a frigoríficos e alimentos, com a continuação da guerra e a chegada das eleições.
“Preferimos BRF (BRFS3) e Marfrig (MRFG3) porque ambas estão bastante ligadas a preços internacionais. As duas possuem marcas fortes e conseguem repassar melhor os preços”, afirma, ressaltando que isso é especialmente positivo em um momento em que os custos tendem a subir.
Frigoríficos também estão entre as apostas da Safari Capital para garantir uma boa diversificação para a carteira em um cenário conturbado, juntamente com papéis ligados ao petróleo, minério de ferro e celulose. “Acreditamos que assim nossa carteira fica mais balanceada e menos sujeita a qualquer forte realização de preços que pode haver no mercado de commodities”, afirmou a gestora em carta.
É hora de investir em ouro?
Apesar de as alocações em commodities energéticas, agrícolas e em fertilizantes serem mais relevantes nos portfólios, gestoras não descartam a possibilidade de aumentar posições no ouro – seja via investimento direto ou por meio de ações de mineradoras.
A Vinland é uma delas. Hoje, a casa possui alocação nas empresas estrangeiras Aura Minerals (AURA33), Barrick Gold, Franco-Nevada e Newcrest Mining.
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O maior otimismo com mineradoras de ouro está ligado a um só motivo: “Todos os principais vetores do ouro estão se alinhando”, observa Meireles.
Ele explica que a inflação nos Estados Unidos está elevada e que há uma probabilidade de que o Federal Reserve (Fed), banco central americano, não faça o suficiente em termos de subida de juros para controlar essa alta de preços.
Com o Fed oferecendo menos do que o mercado espera, o risco de um dólar mais fraco aumenta, diz o gestor. Somado a isso, com o choque de commodities, há um aumento da probabilidade de recessão, o que tende a ser bom para o ouro, afirma. “Inflação, com crescimento mais baixo e risco geopolítico podem ser bons vetores para o metal”, defende Meireles.
Há ainda três fatores que chamam a atenção do gestor: o primeiro, é que os bancos centrais estão comprando mais ouro. O segundo ponto, diz, é que a demanda de investidores por ativos que investem diretamente na commodity via fundos, ETFs (fundos de índices) ou contratos de ouro está crescendo. Por último, a demanda física por ouro tende a aumentar no curto prazo.
“A poupança está alta nos países mais ricos e isso pode impulsionar a compra de ouro físico sob a forma de joias, por exemplo”, avalia.
Quem também está otimista com o metal é a Legacy Capital, que permanece com uma posição comprada em ouro diretamente. Em carta enviada a clientes, a gestora destacou que, em uma decisão inédita, os países ocidentais congelaram os ativos de reservas do Banco Central russo depositados em seus bancos centrais.
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“Essa decisão pode ter implicações importantes na alocação de ativos por parte dos bancos centrais, demais bancos, empresas e indivíduos, à frente, em todo o mundo”, afirma a carta. “Afinal, o conceito de depósitos, e em especial, de reservas, está ligado à certeza de estarem disponíveis para utilização imediata, à ordem do titular”.
Para a Legacy, tal cenário tende a favorecer ativos de reserva, como o ouro e demais metais preciosos, especialmente. Na carta, a gestora detalha que hoje possui uma posição comprada em ouro e que pode aumentá-la, eventualmente, diante do momento mais favorável para o metal.
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Fonte
www.infomoney.com.br